A INFLUÊNCIA NA ARTE
No século 16, a antiga
Europa vivia sob rixas e intolerâncias entre as religiões predominantes.
Decerto, os judeus e os cristãos exprimiam as maiores contendas judiciais, se
comparadas as demais altercações de integrantes de outras religiões. “O Mercador
de Veneza”, do grande poeta e escritor William Shakespeare nos revela quão
fabulosa se tornara a escrita dele ao compor tal obra.
Em 1596, os cristãos e
judeus eram separados por indumentárias que os caracterizavam pertencentes as suas
religiões específicas, mas havia uma disparidade entre eles: judeus eram
obrigados a usarem turbas ou chapéus vermelhos como identificações. Veneza,
como a mais poderosa cidade-estado da época, tinha leis que separavam os
cristãos, alocando os judeus em guetos, nas periferias da urbe. As portas da
cidade eram fechadas e vigiadas pelos cristãos venezianos e os seus rivais
religiosos eram obrigados a usarem os trajes rubros se quisessem deixar a
cidade com intento de voltar. Em sua obra, William Shakespeare deixa claro ao público
a proveniência da narrativa e a desigualdade de tratamentos entre os religiosos:
o não direito a propriedade pelos judeus e a prática corriqueira da usura (prática de
emprestar dinheiro mediante juros), hoje, chamada de agiotagem, em termos jurídicos.
Como a maioria das obras shakespearianas,
a religião é algo manifesto e permeia a escrita do início ao fim. No entanto, o
suspense, a lascívia, a traição, a ganância, a morte ou a sua tentativa, o
erotismo e demais componentes facilmente encontrados na vida real, também
complementam esta magnífica grafia.
Bassanio, amigo fiel de
Antônio, um cristão e mercador abastado, apaixona-se por uma das mais belas,
ricas e cortejadas mulheres da cidade. Príncipes de todas as regiões partia das
suas terras em busca de conquista-la, juntamente com o seu dote, deixado pelo
seu falecido pai. Porém existiam condições para que a donzela fosse entregue
aos seus pretendentes. Havia três baús: um de ouro, um de prata e outro de
chumbo, todos grafados com frases enigmáticas. Dentro deles continham cartas de
despedidas, mas só um resguardava a imagem da pretendente; quem a achasse seria o
merecedor da bela mulher. O enredo, como um todo, passa-se em torno da busca e do
amor conquistado por Bassanio, assim como a promessa de pagar uma dívida a um
judeu usureiro que emprestara dinheiro a Antônio em troca de cortar a sua pele,
que ele oferecera como garantia caso não pagasse uma dívida de 3 mil Ducados em
ajuda ao seu amigo apaixonado.
A fortuna de Antônio se perdera
no mar junto aos seus navios naufragados e só lhe restara ser julgado para
pagar a dívida ao judeu usureiro. Após os votos de casamento, Bassanio partira
para tentar ajudar o seu amigo depois de receber uma carta que solicitava a sua
presença antes da morte, dita-se como certa. Em julgamento, a esposa de Bassanio,
travestida de homem, passa-se por um requisitado juiz e leva Antônio à
condenação. Entretanto, para que o pagamento da dívida fosse efetuado com a
pele do devedor ⸺ este que assinara uma promissória sem explicações
pormenorizadas ⸺, nenhuma gota de sangue deveria sair do corpo dele, fazendo-o
livrar-se da dívida.
Neste grandioso enredo
shakespeariano é impossível não perceber a influência direta ao nosso magnificente
romancista e dramaturgo Ariano Suassuna, na sua obra mais famosa: “O Auto da Compadecida”. Ariano
usara da mesma artimanha que o autor inglês na sua peça, quando oferecera uma “tira
de couro das costas de Chicó”, mas esta tinha que ser cortada sem que saísse um pingo de
sangue dele, fazendo com que o Coronel Antônio Moraes os fizesse ir embora com
a dívida saldada. As semelhanças entre as duas obras não se restringem a esta
parte, porém certamente é a passagem que mais nos chama a atenção e nos faz lembrar do Mercador de Veneza e O Auto da Compadecida como trabalhos análogos.
É sabido que as
genialidades dos dois dramaturgos e romancistas são inegáveis, contudo podemos observar que a
influência, mesmo sem intencionalidade, está impregnada no mais íntimo de qualquer criador
literário.
Por Moisés Calado.
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