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quinta-feira, 18 de agosto de 2022

CONHEÇA NOAM CHOMSKY, O MAIOR INTELECTUAL VIVO E AMIGO ÍNTIMO DE LULA

 

Imagem: CUT. Lula e Noam Chomsky


Nascido na Filadélfia, Pensilvânia, filho de um famoso estudioso hebreu, Chomsky é talvez um dos mais conhecidos pensadores de nosso tempo. Sua obra foi fundamental ao desenvolvimento da linguística no século XX. Porém, é importante perceber, que o trabalho de Chomsky neste campo origina-se de um ponto de vista filosófico com uma longa herança. Ele também é conhecido pelos seus comentários políticos e sociais, os quais, até certo ponto, são também feitos com as mesmas crenças filosóficas. Após ser dissuadido a abandonar os seus estudos universitários pelo renomado professor de linguística, Zellig Harris, Chomsky escreveu a sua obra “Estruturas Sintáticas”, publicada em 1957, a qual influenciou os estudos nessa área a partir de sua publicação. Desde aquela época, Chomsky desenvolveu e modificou seus pontos de vista em muitos trabalhos importantes, particularmente em seu “Aspecto da Teoria da Sintaxe, Língua e Mente”, e mais recentemente, “O Programa Minimalista”. De seus muitos escritos políticos, os mais influentes são: “O poder Americano e os Novos Mandarins”, “Direitos Humanos e a Nova Política Estrangeira Americana” e “O Triângulo Fatídico: O Estados Unidos, Israel e os Palestinos”. Chomsky continua a escrever ativamente sobre linguística e política.


Imagem: arquivo pessoal. Noam Chomsky em defesa de Lula


O trabalho de linguística baseado em uma teoria racionalista da mente, a qual postula em oposição à tradição empírica originária de Locke ⸺ e que estava em evidência antes do trabalho de Chomsky ⸺ que a mente do ser humano ao nascer está muito distante de ser pedra em branco ou tabula rasa, pelo contrário, é condicionada em suas operações por certas estruturas inatas. A preocupação de Chomsky, certamente, é com o aprendizado da língua e as “estruturas sintáticas” que fazem parte de diferentes línguas. Na visão de Chomsky, todas as línguas compartilham, em um nível fundamental, uma estrutura universal, ou gramática, e essa gramática universal está instalada em nossos cérebros, em vez de algo que é aprendido por meio da experiência e do ensinamento.

A noção de uma gramática universal é relativamente simples. Há algo em torno de 5.000 variedades conhecidas de língua humana. De acordo com Chomsky, apesar das muitas diferenças formais entre elas, todas são condicionadas por certos parâmetros e princípios que são inatos e únicos à mente humana. Um argumento significativo para esta conclusão é o que alguns chamam de “argumento da produtividade”. Psicólogos experimentais geralmente confirmarão a velocidade na qual se desenvolve a habilidade gramatical nas crianças com dois ou três anos de idade, uma habilidade que vai além da escassa absorção da língua à qual elas têm sido expostas até o momento.

Consequentemente, seria plausível supor que a criança tenha uma vantagem inicial. As regras gramaticas não precisam ser aprendidas, elas já estão instaladas na mente: a exposição à língua; desde sua tenra idade, meramente aciona o gatilho, e a criança desenvolve sua competência linguística à uma velocidade acelerada.

Esse processo de instalação é, como outras faculdades cognitivas, um aspecto da nossa natureza humana. Chomsky vê isso como tendo implicações políticas positivas. Em vez de ser uma folha em branco do empirismo de Locke, ou dos agentes do existencialismo, nossa natureza nos previne de sermos subjugados por forças extremas livres e inconstantes. Nossa natureza determina que existam apenas certas estruturas políticas, as quais podemos tolerar. Sistemas políticos opressivos, como os retratados por Orwell em seu livro “1984”, ou por Huxley em seu “Admirável Mundo Novo”, não podem completamente moldar nossa mente. Nossos pensamentos não são, como psicólogos comportamentais do início do Século XX supunham, respostas meramente condicionadas a estímulos repetidos. A ideia de ser um “agente livre” está tão inserida em nossa natureza, quanto os condicionamentos que atuam em nossa forma de discurso.




Imagem: Noam Chomsky por "Acampamento Lula Livre"


Isso revela um desenvolvimento posterior da teoria linguística de Chomsky. Para ele, a natureza da mente humana é revelada pela natureza da língua. Não porque a língua é uma atividade unicamente humana, mas também porque a língua “é o veículo do pensamento”, e por isso colocada unicamente para iluminar a essência da mente humana. É importante lembrar que Chomsky vê a mente com princípios e processos cognitivos que fazem parte do comportamento humano e que Chomsky firmemente se prende a uma teoria que remonta ao “inatismo” de Leibniz e outros. De acordo com essa teoria, a mente humana é dotada ⸺ como foi dito ⸺ de certas propriedades inatas, que determinam como nós somos e o que nós podemos saber.

 

“A LÍNGUA É O VEÍCULO DO PENSAMENTO E, POR ISSO,

UNICAMENTE COLOCADA PARA

ILUMINAR A ESSÊNCIA DA MENTE HUMANA”

 

Chomsky é tão conhecido agora por seus numerosos escritos políticos, quanto pelo seu trabalho em linguística. Crítico constante da política estrangeira dos Estados Unidos e do seu envolvimento no Vietnã, no Camboja e nas guerras do Golfo. Ele é um partidário ativo de mudanças sociais radicais nos EUA, e continua o seu trabalho como linguista e filósofo teórico. Ele descreve sua visão política como “socialista libertária” ⸺ uma mistura de socialismo e anarquismo, assim por dizer.

 

Leituras Essenciais:

Estruturas Sintáticas (1957) e Aspectos da Teoria da Sintaxe, da Língua e da Mente (1965).

 

Análise, tradução e transcrição do livro de Philip Stokes: “Os Grandes Pensadores”.

 

Por Moisés Calado.

quarta-feira, 13 de julho de 2022

CONHEÇA SIMONE DE BEAUVOIR, UMA DAS PRECURSORAS DO FEMINISMO

 

Foto: Vermelho.org


A literatura e a filosofia, hoje não seriam as mesmas sem a grande contribuição da filósofa e romancista francesa Simone de Beauvoir. Como uma das precursoras do novo movimento feminista moderno, influenciou significativamente até as visões posteriores de Sartre. Beauvoir tornou-se, premeditadamente ou não, a heroína das feministas por todo o mundo. Seus trabalhos filosóficos mais significativos são: “A Ética da Ambiguidade” e a bíblia do feminismo, “O Segundo Sexo”. Ambos são excelentes trabalhos, cuja importância filosófica tem sido negligenciada por causa da determinação de alguns em restringir o trabalho de Beauvoir dentro do movimento feminista. Nas palavras de Brendan Gill, no The New Yorker, de 1953, O Segundo Sexo “é uma obra de arte, com o tempero do atrevimento que dá gosto à arte”.

O pensamento de Beauvoir é o desenvolvimento de temas existencialistas encontrados em Sartre. Em particular, sua mais famosa expressão: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, só pode ser compreendida no background “má fé”, de Sartre.

De acordo com Sartre, a liberdade de escolha é uma condição sempre presente na vida humana. Porém, por causa do enorme peso da responsabilidade que isso traz, nós somos aptos a dar desculpas, a negar nossa liberdade de escolha. Tais desculpas podem envolver o ato de culpar o tipo de pessoa que somos na nossa natureza humana. Mas Sartre diz que covardes e heróis não nascem, eles são forjados na ação. Nós somos o que nós fazemos. Assim, cada um que age heroicamente é um herói, e cada um que age covardemente, é um covarde. Mas, tem-se sempre a escolha de agir diferentemente na próxima vez. Não há a premissa de que a natureza determina o modo como nós devemos agir. A negação desta liberdade radical é um tipo de auto-decepção, ou “má fé”, como Sartre a chama.

 

Influenciada pelas primeiras feministas como Mary Wollstonecraft, Simone de Beauvoir se tornou figura chave para o movimento feminista do século XX.

 

Seguindo o pensamento de Sartre, Simone de Beauvoir aceita que um indivíduo nasce livre, sem essência. Mas a identificação de gênero biológico de uma pessoa serve, no caso da mulher, para definir sua personalidade. A mulher torna-se “mulher”, e o significado disso é definido pela cultura e sociedade, ou como “a deusa do lar” (mãe e esposa dos anos 1950) ou mais recentemente, a “Supermãe” dos anos 1990. Mesmo fatos biológicos como a menstruação são sempre culturalmente interpretados, diz Beauvoir, como ou uma “praga vergonhosa, ou uma reafirmação da saúde do corpo, de acordo com os conceitos da sociedade”. Consequentemente, não se nasce mulher. A mulher se torna por aceitar e viver o papel que a sociedade define como apropriado. Esta aceitação, porém, não é automaticamente “má fé”, como Sartre diria, e é crucial ver como Beauvoir expande e desenvolve este conceito.

Simone de Beauvoir insiste que agir de “má fé” pressupõe que esteja consciente do potencial à liberdade em uma situação, que alguém pode ignorar. As crianças, por exemplo, não podem agir com “má fé” porque outros definem o ser deles, desde que a criança viva no mundo de seus pais ou tutor. Somente quando elas atingem um “despertar” na adolescência, a angústia existencialista se estabelece. Similarmente, argumenta Beauvoir, as mulheres, historicamente, têm seu ser definido pelas circunstâncias sócio-econômicas. Consequentemente, são ignorantes quanto ao potencial para a liberdade nessa situação, e, por isso, não podem agir com “má fé”.

É fácil ver quantas das muitas ideias feministas de Beauvoir – de que as mulheres devem reconhecer a própria liberdade, definir seu próprio ser, e libertar-se da escravidão de uma sociedade cujas regras e valores são definidos pelos homens – podem ser retomadas como um grito de guerra pelo movimento de libertação da mulher.

 

“NÃO SE NASCE MULHER,

TORNA-SE MULHER”

 

 

Leituras essenciais para a compreensão de Simone de Beauvoir: “Ética da Ambiguidade” (1947). “O Segundo Sexo” (1949).

 

 

Por Moisés Calado.







quarta-feira, 6 de julho de 2022

SANTO ANSELMO, DOUTOR DA IGREJA: A FILOSOFIA NA IGREJA CATÓLICA

 

Imagem: ACI Digital


Santo Anselmo, nascido em Aosta, na Burgandia, no ano 1033, foi uma criança religiosa e buscou ingresso na vida monástica aos 15 anos. O abade local, entretanto, o recusou apesar da insistência de seu pai. Após a morte da sua mãe, Anselmo partiu em viagem. Finalmente ele chegou à Abadia de Bec e começou a estudar com o renomado Prior Lanfranc. Ordenou-se em 1060. Três anos mais tarde, quando Lanfranc foi indicado para ser Abade em Caen, o jovem Anselmo o sucedeu como Prior para o pesar dos mais velhos e estabelecidos candidatos ao posto. Durante os próximos trinta anos ele escreveu os seus trabalhos filosóficos e teológicos e foi indicado a Abade de Bec.


Imagem da Abadia de Bec, onde Santo Anselmo Trabalhou. Wikipedia


Hoje relembrado como o pai da tradição Escolástica e Arcebispo de Canterbury de 1093 até a sua morte, Anselmo é de interesse filosófico principalmente por causa da lógica dos seus argumentos em dois de seus principais trabalhos, O Monologion (“Solilóquio”) e o Proslogion (Discurso), os quais suscitaram várias discussões que pretendiam provar a existência de Deus. Por volta do século XII, os trabalhos de Platão e Aristóteles tinham sido redescobertos e reinterpretados pelos escolásticos, que tentaram sintetizar as ideias dos antigos gregos com a teologia medieval. Seguindo a tradição grega, diz-se que os alunos de Anselmo tiveram a preocupação de ouvir uma justificativa racional para a existência de Deus que não se baseasse meramente na aceitação dos ensinamentos das escrituras ou doutrinários. A resposta mais famosa de Anselmo para este desafio foi conhecida como “a discussão ontológica para a existência de Deus” a qual alguns consideram o debate mais acalorado na história da filosofia.

 

"DEUS EXISTE PORQUE O

CONCEITO DE DEUS EXISTE"

 

Anselmo nos leva a considerar que, ao dizermos o termo “Deus” significa que não se pode pensar em nada maior do que isto. Sendo assim, até mesmo o incrédulo ou, como Anselmo diz, o “tolo”, aceita que isto é o que o conceito de Deus abrange, a existência de Deus pareceria vir necessariamente da definição. Por causa disto, seria uma contradição supor que Deus, por um lado, seja algo que não se pode pensar em nada maior do que Ele e por outro lado não vir a existir. O pensamento de que Deus não exista é menos importante do que o pensamento de que Ele exista, e desde que se possa claramente pensar em Deus e supor que Ele exista, então pensar em algo que não possa ser maior do que isto já admite sua existência.

A discussão ontológica de Anselmo é engenhosa em sua simplicidade. Em enquanto muitas pessoas concordam que há alguma coisa duvidosa sobre isto, a opinião tem sido dividida sobre qual o problema da discussão. O primeiro crítico de Anselmo foi um monge contemporâneo beneditino chamado Gaulino de Marmoutiers. Gaulino argumentava que se o raciocínio de Anselmo estivesse correto, então se podia imaginar uma ilha perdida que fosse a mais perfeita ilha. Desde que por definição a ilha seja a mais perfeita ela tem que existir, pois pelo raciocínio de Anselmo seria menos do que perfeita se não existisse. Assim, pleiteou Gaulino, o raciocínio de Anselmo permite a existência de toda sorte de objetos imaginários sendo assim imperfeitos. Em resposta, Anselmo alegou que a qualidade da perfeição é um atributo que se aplica somente a Deus, e consequentemente sua discussão ontológica, não poderia ser usada para provar a existência de ilhas imaginárias ou o que quer que fosse.

 

"A QUALIDADE DA PERFEIÇÃO É UM

 ATRIBUTO QUE SE APLICA SOMENTE A DEUS"

 

Versões dos argumentos ontológicos de Anselmo foram mais tarde usadas por São Thomás de Aquino e René Descartes e foram, mais tarde ainda, duramente criticadas por Immanuel Kant. O princípio da ressalva de Kant era de que o conceito de Deus como um ser perfeito não necessariamente implica na existência de Deus, na medida em que a “existência” não é uma perfeição. O conceito de um ser perfeito existente não é maior ou menor que o conceito de um ser perfeito não existente. Filósofos concordam que o problema com a discussão de Anselmo gira em torno do fato de que nós certamente não podemos averiguar se alguma coisa existe ou não meramente por analisar o significado de uma palavra ou conceito. Porém, qual erro lógico tem sido cometido ao tentar proceder dessa forma, tem sido exatamente a causa de tantas discussões entre filósofos e especialistas em lógica.

O debate foi retomado novamente em épocas mais recentes, nos anos 60, quando o filósofo Norman Malcom reviveu uma variante menos conhecida do argumento de Anselmo, a qual deixa de lado as objeções feitas por Kant e outros. De acordo com Malcom, Anselmo argumentou no Proslogion que se é possível a existência de tal ser, então ele tem que existir, pois seria uma contradição dizer que tal ser não exista. Deus somente poderia deixar de existir se o conceito de Deus fosse em si contraditório ou sem sentido, e isto, declara Malcom, permanece para ser mostrado pelos oponentes do argumento ontológico.

Santo Anselmo escreveu muitos livros religiosos, incluindo “Cur Deus Homo” (“Por que Deus se tornou Homem?”), mas atualmente ele é mais conhecido pelos seus dois trabalhos filosóficos: “Monologion” e “Proslogion”, nos quais ele tenta provar a existência de Deus.


Livro ontológico “Monologion” de 1076: O conceito de bondade não seria possível se não houvesse um padrão absoluto, algum ideal de bondade, do qual todas as outras “bondades” fossem um reflexo. Este ideal de bondade é Deus.



Crédito da imagem: Estante Virtual.



Livro “Proslogion” de 1077 a 1078: Se nós podemos conceber a ideia de perfeição, mas existente apenas em nossas mentes, então essa ideia é menos perfeita. Porém, se podemos conceber a ideia de perfeição ⸺ então perfeição, ou Deus, tem que existir.



 Crédito da imagem: editora Concreta. Amazon.




Análise e visão do livro de Philip Stokes: “Filosofia ⸺ Os Grandes pensadores”.


Por Moisés Calado.  

 

 

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 5 de julho de 2022

A INGRATIDÃO É A FERRUGEM NA ALMA DO INGRATO




 Manuscrito subjetivo.


Imagem: Arquivo pessoal

Nos tempos hodiernos, é relativamente simples encontramos alguém ingrato; pessoas que nem a mais digna e louvável das ações a elas consagradas, irão fazê-las apreciarem o que lhes foram concedidos. Assim, é sensato e faz bem à alma, considerarmos nossas próprias atitudes em relação ao próximo, visto que, o que fazemos de bom nos torna benemérito de retornos elogiáveis, pois o bem, por si só é uma virtude e enaltece qualquer ser que o pratica. Ao contrário da ingratidão, que não permite ao indivíduo reconhecer quaisquer que sejam os bens que lhes foram atribuídos, pois a desvirtuosa esterilidade o cega.

Como analisamos uma pessoa ingrata? Como percebê-la? Não é fácil obter uma percepção inicial, porque muitas pessoas se revestem com a felicidade no momento em que lhes são conferidas algumas honras e isto as torna obscuras, quando são avaliadas. Porém, essas criaturas logo se despem do negrume que as encobre e o seu caráter efêmero, evidencia-se, seja por um pequeno favor que você precise ou pela mera exposição da falta de qualidade moral, delas. Em seus interiores, o que mais as agrada são os falsos atributos e sentimentos de gratidão que elas próprias desconhecem, mas imaginam conterem por causa da sua acentuada vaidade.

Pessoas ingratas são aquelas de estado, característica ou qualidade de seres que não conseguem alcançar os devidos resultados em suas vidas e apresentam-se de maneira custosa para com seu semelhante. Este sentimento (se é que podemos assim defini-lo) assemelha-se muito com a inveja, o olho gordo; e, infeliz é, este que se apresenta de tal forma. O ser que se expõe perante outro com arrogância e desprezo, por ele mesmo é desvalido e consumido por sua própria soberba. Atenta-te aos olhos gordos que te circundam, pois deles, sairão o enfado do teu corpo. Veste-te pelas mais belas sedas que estão à tua volta e afasta-te do que te traz negatividade. Ama ao próximo sem esquecer de sempre agradecer, por mais singelo que seja o ato de fazer. A dádiva está em reconhecer. A virtude aleita-se na compreensão da ação. O que praticamos em vida, levamos pela eternidade, então faça o bem e promova o amor sem distinção. Alegra-te com a felicidade do outro, pois desta forma irás demonstrar que realmente és amigo; és irmão. Seja grato, por mais simples que seja uma homenagem ou atitude de alguém a ti, pois são poucas as pessoas que te presentearão com qualquer atitude laudável. Faz-te humilde e regracie, porque a ingratidão é a ferrugem na alma do ingrato, ela o consome lentamente.


Por Moisés Calado.

terça-feira, 28 de junho de 2022

O MERCADOR DE VENEZA E O AUTO DA COMPADECIDA: UMA CÓPIA?

 


A INFLUÊNCIA NA ARTE


Imagem: Wikipedia. Shakespeare.


No século 16, a antiga Europa vivia sob rixas e intolerâncias entre as religiões predominantes. Decerto, os judeus e os cristãos exprimiam as maiores contendas judiciais, se comparadas as demais altercações de integrantes de outras religiões. “O Mercador de Veneza”, do grande poeta e escritor William Shakespeare nos revela quão fabulosa se tornara a escrita dele ao compor tal obra.



Imagem: Wikipedia. Cartaz: O Mercador de Veneza, de 1600


Em 1596, os cristãos e judeus eram separados por indumentárias que os caracterizavam pertencentes as suas religiões específicas, mas havia uma disparidade entre eles: judeus eram obrigados a usarem turbas ou chapéus vermelhos como identificações. Veneza, como a mais poderosa cidade-estado da época, tinha leis que separavam os cristãos, alocando os judeus em guetos, nas periferias da urbe. As portas da cidade eram fechadas e vigiadas pelos cristãos venezianos e os seus rivais religiosos eram obrigados a usarem os trajes rubros se quisessem deixar a cidade com intento de voltar. Em sua obra, William Shakespeare deixa claro ao público a proveniência da narrativa e a desigualdade de tratamentos entre os religiosos: o não direito a propriedade pelos judeus e a prática corriqueira da usura (prática de emprestar dinheiro mediante juros), hoje, chamada de agiotagem, em termos jurídicos.

Como a maioria das obras shakespearianas, a religião é algo manifesto e permeia a escrita do início ao fim. No entanto, o suspense, a lascívia, a traição, a ganância, a morte ou a sua tentativa, o erotismo e demais componentes facilmente encontrados na vida real, também complementam esta magnífica grafia.

Bassanio, amigo fiel de Antônio, um cristão e mercador abastado, apaixona-se por uma das mais belas, ricas e cortejadas mulheres da cidade. Príncipes de todas as regiões partia das suas terras em busca de conquista-la, juntamente com o seu dote, deixado pelo seu falecido pai. Porém existiam condições para que a donzela fosse entregue aos seus pretendentes. Havia três baús: um de ouro, um de prata e outro de chumbo, todos grafados com frases enigmáticas. Dentro deles continham cartas de despedidas, mas só um resguardava a imagem da pretendente; quem a achasse seria o merecedor da bela mulher. O enredo, como um todo, passa-se em torno da busca e do amor conquistado por Bassanio, assim como a promessa de pagar uma dívida a um judeu usureiro que emprestara dinheiro a Antônio em troca de cortar a sua pele, que ele oferecera como garantia caso não pagasse uma dívida de 3 mil Ducados em ajuda ao seu amigo apaixonado.

A fortuna de Antônio se perdera no mar junto aos seus navios naufragados e só lhe restara ser julgado para pagar a dívida ao judeu usureiro. Após os votos de casamento, Bassanio partira para tentar ajudar o seu amigo depois de receber uma carta que solicitava a sua presença antes da morte, dita-se como certa. Em julgamento, a esposa de Bassanio, travestida de homem, passa-se por um requisitado juiz e leva Antônio à condenação. Entretanto, para que o pagamento da dívida fosse efetuado com a pele do devedor ⸺ este que assinara uma promissória sem explicações pormenorizadas ⸺, nenhuma gota de sangue deveria sair do corpo dele, fazendo-o livrar-se da dívida.



Ariano Suassuna. Imagem: Wikipedia


Neste grandioso enredo shakespeariano é impossível não perceber a influência direta ao nosso magnificente romancista e dramaturgo Ariano Suassuna, na sua obra mais famosa: “O Auto da Compadecida”. Ariano usara da mesma artimanha que o autor inglês na sua peça, quando oferecera uma “tira de couro das costas de Chicó”, mas esta tinha que ser cortada sem que saísse um pingo de sangue dele, fazendo com que o Coronel Antônio Moraes os fizesse ir embora com a dívida saldada. As semelhanças entre as duas obras não se restringem a esta parte, porém certamente é a passagem que mais nos chama a atenção e nos faz lembrar do Mercador de Veneza e O Auto da Compadecida como trabalhos análogos.

É sabido que as genialidades dos dois dramaturgos e romancistas são inegáveis, contudo podemos observar que a influência, mesmo sem intencionalidade, está impregnada no mais íntimo de qualquer criador literário.     

 

Por Moisés Calado.

 

 

 

      

quinta-feira, 23 de junho de 2022

"INTERTEMPORAL": O NOVO ROMANCE DE MOISÉS CALADO

 



UMA VIAGEM ENTRE OS TEMPOS


Imagem: arquivo pessoal do autor. Foto: por Selly Edny


Repleto de tecnologias ainda inexistentes, o novo romance ficcional do autor Moisés Calado promete nos levar a viagens pelo tempo em diferentes épocas. Indo do passado ao futuro e preenchendo-se no presente, o escrito é perfeito por distopias e realidades inconcebíveis ⸺ pelo menos assim pensavam as pessoas em períodos remotos da história humana. As sociedades e os acontecimentos citados na obra exemplificam as díspares épocas em que o ser humano desacreditou que algo poderia existir e restringia-se apenas a imaginação humana.      

Segundo o autor de “A Ordem” (2018), “O Escritor: Reencontro com a razão” (2019), “Exorcismus ⸺ Sob a influência do mal” (2015. Selo: Chiado Books), “Elisabeth” (2019), “Imaculada Percepção” (2020), “Além da Terra, Além do Céu” (antologia de 2020, Selo: Chiado Books) e agora “Intertemporal” (2019 a 2022), a obra fora produzida em uma época em que as máquinas predominam através da concepção e aperfeiçoamento da inteligência artificial.

Elaborado no início de 2019, antes do surgimento do vírus SARS COV 2/Covid-19, o romance fala sobre um patógeno letal que se espalha sobre a Terra com a ajuda das guerras de proporções nucleares. O “Governo” usara todos os recursos pertencentes ao povo e passara a estudar a eugenia para o aperfeiçoamento da raça humana. A Teoria Malthusiana fora criada pelo pastor da Igreja Anglicana, Thomas Robert Malthus, nascido em 1766; ele estudava a reprodução desenfreada dos seres humanos. O clérigo, como um exímio estudioso demográfico, desenvolvera uma forma única de frear o crescimento populacional através da contenção sexual antes do casamento, condicionamento moral para retardar as práticas antes do matrimônio e ter um número específico de filhos, preferencialmente, o quanto se pudesse sustentar; as suas ideias são citadas de forma admirável em “Intertemporal”, assim nos revela o criador da obra.

Visto como um escritor de romances policiais e terror psicológico, Moisés Calado se introduzira na ficção científica com uma temática atualíssima, remetendo críticas aos governos, glosando sobre Física, Biologia e possíveis guerras futurísticas. A Teoria ou Princípio da Consistência ou Autoconsistência de Novikov, também nos esclarece o porquê da não existência dos paradoxos temporais e a irreprochável peregrinação do protagonista pelas diversas épocas apresentadas a ele, o qual passa a ser a “causa da consequência do seu próprio evento”, sem alterações ramificadas na linha de tempo.     



Imagem: arquivo pessoal do autor. Por Andréa Alcântara.


O autor também nos fala sobre a personalidade forte do seu protagonista e a sua busca pelo amor a si mesmo, levando-nos a acreditar que o personagem “Siomes” (um anagrama do seu próprio nome, “Moisés”) demonstra ter características depressivas. Ainda na mesma obra, pode-se encontrar cenas adultas, “com sexo explícito e excitante”, diz o escritor.

A obra vem sendo analisada por algumas editoras fora do eixo de contratos editoriais do classicista e aguarda por futuras resoluções. Esperemos que muito em breve este romance esteja nas prateleiras e lojas virtuais de todo o Brasil.

 

Por Cláudio Bittencuor.

 

 

 

 

 

 

sábado, 18 de junho de 2022

ÉTICA A NICÔMACO ⸺ ARISTÓTELES

 






O JUSTO E O TEMPERANTE



Imagem: arquivo pessoal.


A prática, é em si, uma das únicas formas de mensurarmos os atributos atinentes ao ser humano. De fato, quando nos predispomos a algo, não sabemos se o que desejamos ou como agimos representa a vontade essencial; uma qualidade inerente ao ser. A ação se dissocia da afirmação inerte, pela sua solidez.

Genuinamente, as pessoas boas se caracterizam pelas suas atividades consolidadas a terceiros e não só pelas palavras emanadas sem a atuação necessária para, o que hora fora teórico, tornar-se concreto e benéfico.

Em “Ética a Nicômaco”, páginas 45 e 46 [alíneas 20, 25, 30, 1105 b, 5, 10, 15], Aristóteles discorre sobre o justo e o temperante como personagens distintos dos atuantes de forma gerida e com conhecimento prévio, assim como os gramáticos ou músicos:


(20) “[...] Com efeito, se os homens praticam atos justos e temperantes, é que já têm essas virtudes, do mesmo modo que, se fazem coisas em conformidade com as leis da gramática e da música, é que já são gramáticos e músicos [...]”

                                                   Aristóteles.



Os justos e temperantes, por si só agem conforme a virtude que lhe fora atribuída ao nascer; não necessitando de uma terceira noção para que as suas ações se validem. Ora, mas alguém que pratica algo pertinente à gramática não pode se beneficiar da ajuda de um terceiro para a completude do seu intento? Sim. Verdadeiramente, pode, mas o gramático só será um gramático quando possuir os conhecimentos que só o próprio gramático possui e são-lhe inerentes por praticá-los, não por serem atributos de sua essência. Acontece que há uma semelhança entre a virtude e os artifícios usados porque a temperança e a justeza têm seu mérito em si próprios, satisfazendo-se com o caráter contido nelas. As artes não se completam, por não terem mérito próprio em si; derivam de uma autocorreção para execução. Ao contrário da virtude, esta vista como qualidade moral concernente ao íntimo do ser; que diz-se do justo e o temperante.


(10) “[...] Está certo, então, dizer que é pela prática de atos justos que o homem se torna justo, e é pela prática de atos temperantes, que o homem se torna temperante, e sem essa prática ninguém teria nem sequer a possibilidade de tornar-se bom [...]”

Aristóteles.



Imagem: filosofia.arcos.org.br


Podemos observar, como dito anteriormente, que a teoria não o torna bom sem a prática, mas entendedor da ação, assim como a maioria das pessoas que assim procedem. O conhecimento não o torna necessariamente virtuoso em justeza e temperança, porém arguto em suas ações exercidas. A virtude, então, advinda do justo e temperante, compete não só à prática como à qualidade inerente à essência do homem.     

 

 Por Moisés Calado.

 

   

sexta-feira, 27 de maio de 2022

POESIA GREGA: ONDE NASCEU A DECLAMAÇÃO LÍRICA




UMA LEITURA EM CÂNTICO

                                                       Imagem: Curso de Poesia Grega, UFRGS. Arquivo pessoal, Moisés Calado.


A poesia grega tem como um dos seus ápices o grego Simônides de Ceos, assim denominado por ter nascido e vivido na cidade de Ceos, na Grécia antiga. Foi o primeiro escritor/poeta a receber dinheiro por suas poesias líricas; estas nomeadas desta forma por serem propagadas em cânticos, acompanhados pela lira (instrumento musical de corda em forma de "U") ou tíbia (instrumento musical de sopro da antiga Grécia). Os fragmentos e epigramas de Simônides são os mais perfeitos dentre aqueles que se propunham a declamar sobre as guerras e feitos gregos, no entanto, não menos importante e tão grandiosos quanto (talvez até mais), são Homero com a "Ilíada" e "A Odisseia" e a poetisa Safo, também registrando os acontecimentos em suas escritas lírica.

O Fragmento 543 de Simônides, fala sobre Perseu e Dânea (mãe do guerreiro), um dos mais completos e esclarecedores textos do autor.

Lamento de Dânae

Dânae, na dedálea arca
quando o vento soprava
e o mar revolto em pavor
a prostrava, não sem pranto no rosto
envolveu Perseu nos braços amáveis
e disse: "ah, filho, que aflição a minha!
Tu dormes, com inocente
peito ressonas
na triste barca de brônzeas cavilhas,
estendida na noite sem luz,
nas trevas escuras.
Da espuma do mar em teus cabelos,
profunda, quando passam
as ondas, tu não cuidas,
nem da voz do vento: repousando
em manto púrpura, é belo teu rosto.
Se o que é terrível te fosse terrível,
às minhas palavras
darias teus pequeninos ouvidos.
Dorme, meu bebê, te peço;
dorme, ó mar; dorme, ó mal imensurável!
Que surja de ti um sinal de mudança,
Zeus Pai, de tua vontade!
Mas se minha prece é insolente
ou sem justiça,
perdoa-me."

Simônides de Ceos.



Simônides. Imagem: Antônio Miranda.com.br


A poesia elegíaca também é uma das formas mais antigas e tem fortes ligações com a poesia épica, que a antecede alguns anos. A sua origem, ainda não muito certa, aproxima-se do canto litúrgico para banquetes fúnebres. Utilizava-se o dístico elegíaco como metros para a sua concepção harmônica.

"Havia vários tipos de poesia elegíaca: a elegia guerreira, a elegia amorosa, a elegia moral e filosófica, e a elegia gnômica". O declamador era em geral acompanhado por um tocador de aulo. Os principais declamadores elégicos são Tirteu de EspartaSólon de AtenasTeógnis de Mégara, entre outros. Dezenas se espalharam pela antiga Grécia, mas o seu ápice fora representado pelos nomes citados.



Sólon. Imagem: pt.wikiquote.org


Fragmento de Sólon de Atenas. Referência a Filocipro:

"Agora que tu, entre os sólios, por muito tempo aqui reinando, mores nesta cidade, e também tua estirpe. Mas que para longe da célebre ilha, com nau veloz, ileso me conduza Cípris de violácea guirlanda; e que sobre esta fundação conceda favor e glória, e bom retorno à minha pátria."


Fontes: 34 Similarmente, já Linforth (1926, p. 183). 35 Pensando assim, sigo Freeman (1926, p. 155),
Hudson-Williams (1926, p. 127),
Fränkel (1975, p. 227, 1ª ed.: 1951), Adrados (1956, n. 6, pp. 192-3), Lesky (1995, p. 154,
1ª ed.: 1957), Colonna (1963, Fr. 7, 1ª ed.: 1954), Defradas (1962, Fr. 7), Mulroy (1995, p.
64), Irwin (1999, pp. 187-93), Gerber (1999, p. 6 e Fr. 19), Fantuzzi e Noussia (2001, p. 127).





Por Moisés Calado.

quarta-feira, 25 de maio de 2022

O DEMÔNIO DA GARRAFA



STEVENSON SOB OUTRA PERCEPÇÃO 

 

 

Imagem: InfoLivros.org

 

Em 1892, o escritor Robert Louis Stevenson publicou uma de suas novelas mais conhecidas entre os clássicos da literatura de horror e ficção; e mesmo que a maioria dos seus cenários fossem descritos em terras havaianas e samoanas esta última onde passara seus últimos momentos de vida ⸺, não faltavam pitadas góticas e de cunho social nos enredos tétricos que compunham a sua escrita; influência diametral da sua terra natal (Escócia) e das mais diversas cidades e países pelos quais passou. Seus trabalhos ganharam a Sétima Arte e também os ambientes familiares, através das telenovelas e seriados. No Brasil, o escritor fora referência para a criação do personagemTião Galinha”, da novela “Renascer” de 1993 (Rede Globo), o qual tinha uma garrafa contendo um demônio preso dentro dela. Mas, junto as demais interpretações errôneas feitas de vários dos seus trabalhos, “O Demônio da Garrafa” de Stevenson, também ganha ares controversos, assim como o “Médico e o Monstro”, também analisado resumidamente por esta página.



Robert Stevenson. Imagem: Revista Conexão Literatura


A estória do “Demônio da Garrafa” tem princípio com o experiente marinheiro havaiano “Keawe” desembarcando em terras estadunidenses, em São Francisco, no estado da Califórnia. Impressionado com a beleza e riqueza do lugar, depara-se com um velho senhor o observando através de uma janela tão transparente “que Keawe podia vê-lo como via um peixe na poça de um recife (sic)”. O senhor o convida a conhecer a sua casa, deixando-o impressionado com a beleza da residência. 

Neste início, o escritor apresenta denotação nos altos padrões sociais que compõem as divisões de classes, e que sempre foram algo a serem vislumbrados pelos menos abastados ao longe e expostos como em uma vitrine aos desalentados, fazendo-os desejarem, talvez o inalcançável.


Imagem: DepositPhotos

O velho conta-lhe o segredo que jaz por trás da sua afortunada vida e apresenta-lhe uma garrafa “de aparência leitosa (sic)” de tão branca, abrigando dentro dela, um ser demoníaco que poderia lhe oferecer tudo que fosse desejado e solicitado. Porém, para adquirir o artefato, tinha que se pagar um preço em dinheiro e, se não repassasse o objeto para outra pessoa, após a sua morte teria que enfrentar os incessantes tormentos do Inferno. Então, aqui Stevenson destaca implicitamente a necessidade sobranceira da negociação e saturação dos opulentos, atribuindo valores erráticos por cominação e inferiorizando os labores subsequentes aos altos cargos. Um detalhe a se observar, é que a garrafa, que representa o trabalho, só poderia ser vendida à outra pessoa por preço inferior ao que fora comprada, asseverando a desqualificação dos demais labores.

Com a garrafa em mãos, depois de testar a sua incredulidade e atestar a veracidade dos poderes do objeto, logo o jovem Keawe lançara o seu primeiro desejo ao ar, de forma tácita, à medida que conversava com o ajudante de escuna, alcunhado de “Lopaka”. O pedido do marinheiro não ia além de uma réplica da mesma casa que conhecera o velho senhor de São Francisco, porém, construída com um andar a mais. Neste ponto, vemos o desejo subentendido dos indivíduos que vivem em função de contrair as mesmas coisas de outros, e que no passado os fizeram inferiorizados, no entanto, com um anseio maior ao qual lhe fizeram acreditar não ser possível, fazendo-o se observar abaixo do considerado aceito por parcela significativa da sociedade. Uma visão frívola da realidade existencial individual.  

Ao chegarem ao Havaí, más notícias circulavam a cidade do navegante Keawe, que rapidamente chegaram aos seus ouvidos: o seu tio e primo haviam morrido em circunstâncias misteriosas e deixado uma herança recém-engordada, junto às terras centradas nos locais apropriados à construção da sua almejada Casa Brilhante ⸺ assim fora denominada a casa por ter degraus fulgentes. A notícia repentina fez com que Keawe acreditasse que havia uma ligação entre o que ele desejara e a tragédia familiar, fazendo-o observar que a cada desejo realizado, uma consequência subsecutiva adviria ao posseiro da garrafa do mal. Ele se livra da garrafa, vendendo-a ao ajudante Lopaka. 

“As más notícias” e mortes também podem ser vistas tal qual a segregação das pessoas em detrimento das posses; e delas decorridas as aflições causadas pelo individualismo bruto. A transferência de propriedade do objeto afiança o exclusivismo maléfico, ao qual o ser humano se submete para que não sofra as dores dos seus desacertos, desamparado.


Robert Stevenson. Imagem: elpais.com


O escrito ganha denotação subtendida a partir de um encontro inesperado entre Keawe e Kokua, uma jovem e bela mulher que se banhava sem vestes no mar próximo à sua residência. O jovem havaiano se mostra vislumbrado pela moça ⸺ que o retribui silenciosamente ⸺ e pede-a em casamento ao seu pai. No entanto, algo que deveria ser celebrado, logo se torna um tormento para o futuro marido de Kokua. Ao descobrir-se leproso, Keawe embarca novamente em busca do artefato maldito, com a esperança de encontrar a cura milagrosa e não ferir a sua amada de nenhuma forma. 

Até este ponto, podemos concluir que o seu desejo de protege-la e não infectá-la com a sua doença o faz agir por amor e compaixão, o que não o é; a sua ação é impulsionada por subjetividade e fundamentalismo erigido em seu ego, ao pensar que ela só o aceitaria se estivesse saudável. Ou seja: para satisfazer-se, deveria satisfazê-la. Um princípio do egotismo. 


A procura irrefreável pela garrafa o fez perceber que inúmeras pessoas haviam se beneficiado dos poderes dela e passado adiante. O seu encontro com o derradeiro comprador do objeto o deixara estático: um franzino homem aguardava pelo ato milagroso que salvaria a sua alma do Inferno; e lá estava o homem disposto a entregar o seu espírito às chamas ardentes por amor. Por apenas dois centavos de dólar, Keawe comprara a garrafa e partira de imediato para os braços da sua amada, instantaneamente curado da sua doença.

O ato de sacrificar-se para que a sua amante não contraísse a enfermidade que o afligia o torna um altruísta e ao mesmo tempo revela o egoísmo existente no ser humano, pois ele abre mão da sua alma, mas intentando a recompensa carnal advinda da sua renúncia. Temos uma dualidade conflitante na ação de se doar, provinda de um alguém que o faz com propósito compensatório. Assim também age a personagem Kokua ao saber que ele havia feito isto por ela, reforçando ainda mais o exclusivismo entre as partes. O valor irrisório de dois centavos, pelo qual ele pagou a garrafa, o faz retornar ao ponto inicial, onde apenas a sua admiração pela casa do senhor da janela não o levaria aos percalços atinentes à coletividade, mas eles sobreviriam dos entraves das ações posteriores.

 

Por Moisés Calado.     

 

 

 

      

 


"O Corvo", de Edgar Allan Poe

Imagem: Arquivo pessoal. Edgar Allan Poe. Seu texto mais famoso é o poema narrativo  O corvo  ( The raven ) , de 1845. Nesse poema,   o na...