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terça-feira, 23 de maio de 2023

A MORTE DO DEMÔNIO: A ASCENÇÃO





 Imagem: Google.




DECEPCIONANTE


Aos aficionados pelo Terror na sétima arte, o filme "A Morte do Demônio: A Ascensão", é um embuste cinematográfico. Como um leal fã do gênero, confesso que aguardei com acuidade para assisti-lo, no entanto, apenas me deparei com clichês baratos e coisas sem pé nem cabeça: uma mistura de zumbi e monstro fantástico com possíveis demônios - porque não parece possessão demoníaca. Aqueles rituais sagrados e as típicas ações de um possuído? Nem pensar. Nada!
Desde o primeiro filme (diga-se de passagem, é muito bom!), o roteirista e o diretor usam o mesmo livro composto por rituais evocativos, daí vem o ser das trevas. A "possessão" também é idêntica a do filme anterior, só mudando o cenário. Tiro, facadas, braço, perna, olho, cabeça e garganta arrancados não faltam, assim como no antecedente, outra vez. Se você gosta de sangue em demasia, sua carência hemática será suprida tal qual nas películas do Quentin Tarantino. A cena do sangue jorrando do elevador no filme "O Iluminado", de Stanley Kubrick (adaptação do livro de Stephen King), sem dúvida alguma foi copiada neste. A cereja do bolo foi a junção dos corpos dos possuídos (sim, ficaram quase todos com o demônio no couro) em um só, transformando a primeira possessa em uma espécie de monstro de três cabeças e seis pernas; um Cérbero deficiente. Ah, mas para que não faltasse nada nos diálogos advindos também do primeiro filme, tem a célebre frase: "Eu vou comer a sua alma!". Finalmente, temos o desfecho e, adivinha? A morte do suposto demônio é do mesmo jeito da primeira filmagem: com uma serra elétrica cortando o bicho ao meio (porque aquilo não é um possesso).
A parte técnica foi mais ou menos, com bons tracking shots, um único aerial shot totalmente desnecessário, alguns voice overs passáveis, pans, close up e suspenses ideais a adolescentes. O Tom e Estilo fizeram jus à proposta do longa-metragem; os únicos que se adequaram.
Enfim, esse desastre filmográfico leva para a sua casa uma nota 3. Isto porque não fiz nenhuma análise baseada na originalidade e analogia.


Por Moisés Calado.

sexta-feira, 10 de março de 2023

A TRAGÉDIA





Imagem: Google. William Shakespeare.
 

Os ingleses, bem como os espanhóis, já possuíam um teatro quando os franceses só tinham tablados. Shakespeare, considerado o Corneille inglês, florescia mais ou menos na época de Lope de Vega; criou o teatro. Tinha um gênio cheio de força e de fecundidade, natural e sublime, sem a menor centelha de bom gosto e sem o menor conhecimento das regras. Vou dizer uma coisa temerária, mas verdadeira: o mérito desse autor perdeu o teatro inglês; há cenas tão belas, trechos tão grandiosos e tão terríveis espalhados em suas farsas monstruosas, chamadas tragédias, que essas peças foram sempre presenteadas com sucesso. O tempo, único responsável pela reputação dos homens, acaba tornando respeitáveis seus defeitos. A maioria das ideias bizarras e gigantescas desse autor adquiriu, depois de duzentos anos, o direito de passar por sublime; quase todos os autores modernos o copiaram, mas o que era êxito em Shakespeare resulta em fracasso nos outros. E podem realmente crer que a veneração dedicada a esse antigo aumenta, à medida que se despreza os modernos. A reflexão deveria mostrar que não se deve imitá-lo e o insucesso desses copistas faz somente com que se creia que é inimitável.

Sabem que na tragédia “Mouro de Veneza”, peça muito tocante, um marido estrangula sua mulher no palco e, quando a pobre mulher está sendo estrangulada, grita que está morrendo injustamente. Não ignoram que, em “Hamlet”, coveiros abrem uma cova bebendo, cantando cantigas populares e contando sobre as cabeças dos mortos que encontram piadas do tipo de gente de seu ofício. Mas o que poderá surpreender é que essas tolices foram imitadas no reinado de Carlos II que era a época da polidez e a idade de ouro das belas-artes. “Otway”, em sua “Veneza Salva”, introduz o senador Antônio e a cortesã Naki no meio dos horrores da conspiração do Marquês Bedmar. O velho senador Antônio realiza junto de sua cortesã todas as macaquices de um velho devasso, impotente e fora do bom senso; imita o touro e o cachorro, morde as pernas de sua amante, que lhe dá pontapés e chicotadas. Essas palhaçadas, feitas para a canalha mais vil, foram retiradas da peça de Otway, mas deixaram em “Júlio César” de Shakespeare os gracejos dos sapateiros e dos consertadores de calçados romanos, introduzidos na cena com Brutus e Cassius. É que a tolice de Otway é moderna e aquela de Shakespeare é antiga.

Sem dúvida vocês lamentam que aqueles que lhes falaram até agora do teatro inglês e sobretudo desse formoso Shakespeare só lhes tenham mostrado os seus erros e que ninguém tenha traduzido qualquer desses trechos tocantes que pedem perdão por todas as suas faltas. Poderia responder-lhes que é muito fácil contar em prosa os erros de um poeta, mas é muito difícil traduzir os seus belos versos. Todos os rabugentos que se erigem em críticos dos escritores célebres compilam volumes; preferiria duas páginas que me desses a conhecer algumas belezas, pois manterei sempre, com as pessoas de bom gosto, que há mais a aproveitar em doze versos de Homero e Virgílio do que em todas as críticas feitas a respeito desses dois grandes homens.

Arrisquei traduzir alguns trechos dos melhores poetas ingleses. Aqui está um de Shakespeare. Perdoem a cópia em favor do original e lembrem-se, quando virem uma tradução, que só veem uma fraca estampa de um belo quadro.

Escolhi o monólogo da tragédia “Hamlet”, conhecida de todos e que começa com este verso:

 

“To be or not to be, that is the question” (“Ser ou não ser, eis a questão”).

É Hamlet, príncipe da Dinamarca, que fala:

 

“Fica. É preciso escolher e passar num instante

Da vida à morte ou do ser ao nada.

Deuses cruéis! Se existem, iluminem minha coragem.

É preciso envelhecer sob a mão que me ultraja,

Suportar ou terminar minha desgraça ou minha sorte?

Quem sou eu? Quem me detém? E o que é a morte?

É o fim dos nossos males, é meu único asilo;

Após longos transportes, é um sono tranquilo.

Dorme-se e tudo morre. Mas um terrível despertar

Deve suceder talvez às doçuras do sono.

Ameaçam-nos, dizem-nos que esta curta vida

De tormentos eternos é logo seguida.

Ó morte! Momento fatal! Terrível eternidade!

Todo coração só a teu nome se enregela, apavorado.

Oh! quem poderia sem ti suportar esta vida,

De nossos padres mentirosos abençoar a hipocrisia,

De uma indigna amante incensar os erros,

Arrastar-se sob um ministro, adorar sua altivez,

E mostrar os langores de uma alma abatida

A amigos ingratos que desviam a vista?

A morte seria demasiado doce nesses extremos;

Mas o escrúpulo fala e nos grita: ‘Parem!’

Proíbe a nossas mãos esse feliz homicídio,

E de um herói guerreiro faz um cristão tímido!”

 

Não acreditem que traduzi o inglês palavra por palavra ao pé da letra; infelizes os que fazem traduções literais, porque, ao traduzir cada palavra, enervam o sentido. É precisamente nesse momento que se pode dizer que a letra mata e o espírito vivifica!



Voltaire ⸺ Cartas Filosóficas.

 

Texto e interpretação por Moisés Calado.

 

Por Moisés Calado.  


terça-feira, 28 de junho de 2022

O MERCADOR DE VENEZA E O AUTO DA COMPADECIDA: UMA CÓPIA?

 


A INFLUÊNCIA NA ARTE


Imagem: Wikipedia. Shakespeare.


No século 16, a antiga Europa vivia sob rixas e intolerâncias entre as religiões predominantes. Decerto, os judeus e os cristãos exprimiam as maiores contendas judiciais, se comparadas as demais altercações de integrantes de outras religiões. “O Mercador de Veneza”, do grande poeta e escritor William Shakespeare nos revela quão fabulosa se tornara a escrita dele ao compor tal obra.



Imagem: Wikipedia. Cartaz: O Mercador de Veneza, de 1600


Em 1596, os cristãos e judeus eram separados por indumentárias que os caracterizavam pertencentes as suas religiões específicas, mas havia uma disparidade entre eles: judeus eram obrigados a usarem turbas ou chapéus vermelhos como identificações. Veneza, como a mais poderosa cidade-estado da época, tinha leis que separavam os cristãos, alocando os judeus em guetos, nas periferias da urbe. As portas da cidade eram fechadas e vigiadas pelos cristãos venezianos e os seus rivais religiosos eram obrigados a usarem os trajes rubros se quisessem deixar a cidade com intento de voltar. Em sua obra, William Shakespeare deixa claro ao público a proveniência da narrativa e a desigualdade de tratamentos entre os religiosos: o não direito a propriedade pelos judeus e a prática corriqueira da usura (prática de emprestar dinheiro mediante juros), hoje, chamada de agiotagem, em termos jurídicos.

Como a maioria das obras shakespearianas, a religião é algo manifesto e permeia a escrita do início ao fim. No entanto, o suspense, a lascívia, a traição, a ganância, a morte ou a sua tentativa, o erotismo e demais componentes facilmente encontrados na vida real, também complementam esta magnífica grafia.

Bassanio, amigo fiel de Antônio, um cristão e mercador abastado, apaixona-se por uma das mais belas, ricas e cortejadas mulheres da cidade. Príncipes de todas as regiões partia das suas terras em busca de conquista-la, juntamente com o seu dote, deixado pelo seu falecido pai. Porém existiam condições para que a donzela fosse entregue aos seus pretendentes. Havia três baús: um de ouro, um de prata e outro de chumbo, todos grafados com frases enigmáticas. Dentro deles continham cartas de despedidas, mas só um resguardava a imagem da pretendente; quem a achasse seria o merecedor da bela mulher. O enredo, como um todo, passa-se em torno da busca e do amor conquistado por Bassanio, assim como a promessa de pagar uma dívida a um judeu usureiro que emprestara dinheiro a Antônio em troca de cortar a sua pele, que ele oferecera como garantia caso não pagasse uma dívida de 3 mil Ducados em ajuda ao seu amigo apaixonado.

A fortuna de Antônio se perdera no mar junto aos seus navios naufragados e só lhe restara ser julgado para pagar a dívida ao judeu usureiro. Após os votos de casamento, Bassanio partira para tentar ajudar o seu amigo depois de receber uma carta que solicitava a sua presença antes da morte, dita-se como certa. Em julgamento, a esposa de Bassanio, travestida de homem, passa-se por um requisitado juiz e leva Antônio à condenação. Entretanto, para que o pagamento da dívida fosse efetuado com a pele do devedor ⸺ este que assinara uma promissória sem explicações pormenorizadas ⸺, nenhuma gota de sangue deveria sair do corpo dele, fazendo-o livrar-se da dívida.



Ariano Suassuna. Imagem: Wikipedia


Neste grandioso enredo shakespeariano é impossível não perceber a influência direta ao nosso magnificente romancista e dramaturgo Ariano Suassuna, na sua obra mais famosa: “O Auto da Compadecida”. Ariano usara da mesma artimanha que o autor inglês na sua peça, quando oferecera uma “tira de couro das costas de Chicó”, mas esta tinha que ser cortada sem que saísse um pingo de sangue dele, fazendo com que o Coronel Antônio Moraes os fizesse ir embora com a dívida saldada. As semelhanças entre as duas obras não se restringem a esta parte, porém certamente é a passagem que mais nos chama a atenção e nos faz lembrar do Mercador de Veneza e O Auto da Compadecida como trabalhos análogos.

É sabido que as genialidades dos dois dramaturgos e romancistas são inegáveis, contudo podemos observar que a influência, mesmo sem intencionalidade, está impregnada no mais íntimo de qualquer criador literário.     

 

Por Moisés Calado.

 

 

 

      

"O Corvo", de Edgar Allan Poe

Imagem: Arquivo pessoal. Edgar Allan Poe. Seu texto mais famoso é o poema narrativo  O corvo  ( The raven ) , de 1845. Nesse poema,   o na...