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quarta-feira, 25 de maio de 2022

O DEMÔNIO DA GARRAFA



STEVENSON SOB OUTRA PERCEPÇÃO 

 

 

Imagem: InfoLivros.org

 

Em 1892, o escritor Robert Louis Stevenson publicou uma de suas novelas mais conhecidas entre os clássicos da literatura de horror e ficção; e mesmo que a maioria dos seus cenários fossem descritos em terras havaianas e samoanas esta última onde passara seus últimos momentos de vida ⸺, não faltavam pitadas góticas e de cunho social nos enredos tétricos que compunham a sua escrita; influência diametral da sua terra natal (Escócia) e das mais diversas cidades e países pelos quais passou. Seus trabalhos ganharam a Sétima Arte e também os ambientes familiares, através das telenovelas e seriados. No Brasil, o escritor fora referência para a criação do personagemTião Galinha”, da novela “Renascer” de 1993 (Rede Globo), o qual tinha uma garrafa contendo um demônio preso dentro dela. Mas, junto as demais interpretações errôneas feitas de vários dos seus trabalhos, “O Demônio da Garrafa” de Stevenson, também ganha ares controversos, assim como o “Médico e o Monstro”, também analisado resumidamente por esta página.



Robert Stevenson. Imagem: Revista Conexão Literatura


A estória do “Demônio da Garrafa” tem princípio com o experiente marinheiro havaiano “Keawe” desembarcando em terras estadunidenses, em São Francisco, no estado da Califórnia. Impressionado com a beleza e riqueza do lugar, depara-se com um velho senhor o observando através de uma janela tão transparente “que Keawe podia vê-lo como via um peixe na poça de um recife (sic)”. O senhor o convida a conhecer a sua casa, deixando-o impressionado com a beleza da residência. 

Neste início, o escritor apresenta denotação nos altos padrões sociais que compõem as divisões de classes, e que sempre foram algo a serem vislumbrados pelos menos abastados ao longe e expostos como em uma vitrine aos desalentados, fazendo-os desejarem, talvez o inalcançável.


Imagem: DepositPhotos

O velho conta-lhe o segredo que jaz por trás da sua afortunada vida e apresenta-lhe uma garrafa “de aparência leitosa (sic)” de tão branca, abrigando dentro dela, um ser demoníaco que poderia lhe oferecer tudo que fosse desejado e solicitado. Porém, para adquirir o artefato, tinha que se pagar um preço em dinheiro e, se não repassasse o objeto para outra pessoa, após a sua morte teria que enfrentar os incessantes tormentos do Inferno. Então, aqui Stevenson destaca implicitamente a necessidade sobranceira da negociação e saturação dos opulentos, atribuindo valores erráticos por cominação e inferiorizando os labores subsequentes aos altos cargos. Um detalhe a se observar, é que a garrafa, que representa o trabalho, só poderia ser vendida à outra pessoa por preço inferior ao que fora comprada, asseverando a desqualificação dos demais labores.

Com a garrafa em mãos, depois de testar a sua incredulidade e atestar a veracidade dos poderes do objeto, logo o jovem Keawe lançara o seu primeiro desejo ao ar, de forma tácita, à medida que conversava com o ajudante de escuna, alcunhado de “Lopaka”. O pedido do marinheiro não ia além de uma réplica da mesma casa que conhecera o velho senhor de São Francisco, porém, construída com um andar a mais. Neste ponto, vemos o desejo subentendido dos indivíduos que vivem em função de contrair as mesmas coisas de outros, e que no passado os fizeram inferiorizados, no entanto, com um anseio maior ao qual lhe fizeram acreditar não ser possível, fazendo-o se observar abaixo do considerado aceito por parcela significativa da sociedade. Uma visão frívola da realidade existencial individual.  

Ao chegarem ao Havaí, más notícias circulavam a cidade do navegante Keawe, que rapidamente chegaram aos seus ouvidos: o seu tio e primo haviam morrido em circunstâncias misteriosas e deixado uma herança recém-engordada, junto às terras centradas nos locais apropriados à construção da sua almejada Casa Brilhante ⸺ assim fora denominada a casa por ter degraus fulgentes. A notícia repentina fez com que Keawe acreditasse que havia uma ligação entre o que ele desejara e a tragédia familiar, fazendo-o observar que a cada desejo realizado, uma consequência subsecutiva adviria ao posseiro da garrafa do mal. Ele se livra da garrafa, vendendo-a ao ajudante Lopaka. 

“As más notícias” e mortes também podem ser vistas tal qual a segregação das pessoas em detrimento das posses; e delas decorridas as aflições causadas pelo individualismo bruto. A transferência de propriedade do objeto afiança o exclusivismo maléfico, ao qual o ser humano se submete para que não sofra as dores dos seus desacertos, desamparado.


Robert Stevenson. Imagem: elpais.com


O escrito ganha denotação subtendida a partir de um encontro inesperado entre Keawe e Kokua, uma jovem e bela mulher que se banhava sem vestes no mar próximo à sua residência. O jovem havaiano se mostra vislumbrado pela moça ⸺ que o retribui silenciosamente ⸺ e pede-a em casamento ao seu pai. No entanto, algo que deveria ser celebrado, logo se torna um tormento para o futuro marido de Kokua. Ao descobrir-se leproso, Keawe embarca novamente em busca do artefato maldito, com a esperança de encontrar a cura milagrosa e não ferir a sua amada de nenhuma forma. 

Até este ponto, podemos concluir que o seu desejo de protege-la e não infectá-la com a sua doença o faz agir por amor e compaixão, o que não o é; a sua ação é impulsionada por subjetividade e fundamentalismo erigido em seu ego, ao pensar que ela só o aceitaria se estivesse saudável. Ou seja: para satisfazer-se, deveria satisfazê-la. Um princípio do egotismo. 


A procura irrefreável pela garrafa o fez perceber que inúmeras pessoas haviam se beneficiado dos poderes dela e passado adiante. O seu encontro com o derradeiro comprador do objeto o deixara estático: um franzino homem aguardava pelo ato milagroso que salvaria a sua alma do Inferno; e lá estava o homem disposto a entregar o seu espírito às chamas ardentes por amor. Por apenas dois centavos de dólar, Keawe comprara a garrafa e partira de imediato para os braços da sua amada, instantaneamente curado da sua doença.

O ato de sacrificar-se para que a sua amante não contraísse a enfermidade que o afligia o torna um altruísta e ao mesmo tempo revela o egoísmo existente no ser humano, pois ele abre mão da sua alma, mas intentando a recompensa carnal advinda da sua renúncia. Temos uma dualidade conflitante na ação de se doar, provinda de um alguém que o faz com propósito compensatório. Assim também age a personagem Kokua ao saber que ele havia feito isto por ela, reforçando ainda mais o exclusivismo entre as partes. O valor irrisório de dois centavos, pelo qual ele pagou a garrafa, o faz retornar ao ponto inicial, onde apenas a sua admiração pela casa do senhor da janela não o levaria aos percalços atinentes à coletividade, mas eles sobreviriam dos entraves das ações posteriores.

 

Por Moisés Calado.     

 

 

 

      

 


segunda-feira, 23 de maio de 2022

UMA ANÁLISE REFERENCIAL



O Escritor: Reencontro com a razão                                                   



Imagem: Google imagens.



Com mais de 10.200 (dez mil e duzentas) visualizações e apreciações nas suas versões em português e inglês, "O Escritor: Reencontro com a razão" (The Writer) entrou para um dos rols mensais. Destaque-se esta análise subjetiva.


Imagem: Moisés Calado e Inkspired.



Vamos começar por essa sinopse, que está simplesmente encantadora: A primeira parte está carregada de suspense, mas na medida perfeita para elevar o nível de curiosidade do leitor. A segunda parte da apresentação levanta questões (talvez seja esta a melhor definição), isto, porque ali num pequeno trecho, você percebe que algo não está certo. Agora, a terceira parte: Meu pai amado (perdoe-me a empolgação. Risos.), está simplesmente maravilhosa! A premissa do que está por vir fica clara, mas de forma muito sutil, sem dar spoilers e sem matar a curiosidade; muito pelo contrário: a curiosidade só aumenta. Eu fiquei apaixonada pela forma como foi trabalhada.

Particularmente, eu adoro estórias que têm muito a ver com as pessoas e o cotidiano frugal, aqueles textos que os indivíduos se identificam facilmente. É simples se colocar no lugar de Joan, fazendo com que o sofrimento dele, devido ao bloqueio, seja o meu e o seu sofrimento. Isto é incrível, porque a verossimilhança se torna muito real.



Foto: Moisés Calado, por Andréa Alcântara .


A coesão da escrita está puramente excelente, assim como a estrutura. A narrativa traz um escrito muito empolgante, a qual não é fácil desviar os olhos por um momento sequer. É sóbria e cativante.
Quanto aos personagens, é meramente impossível não simpatizar com Joan e a sua busca por novos ares, onde está convicto que uma ideia surpreendente irá se fazer presente sobre ele. No entanto, toda uma confusão começa de maneira lenta e ao mesmo tempo acelerada, na qual não conseguimos parar de torcer por ele e sua jornada. Devagar o escrito começa a moldar as características dos personagens, e cada parágrafo é acometido por surpresas atrás de surpresas. O final? O desfecho é uma verdadeira cereja no bolo.


Algo que deixa o trabalho mais primoroso e eu não posso deixar de comentar, é a gramática: afortunadamente maravilhosa e muito bem posta. Na verdade, é um colírio para os olhos, e a leitura flui de forma fascinante. Foi uma experiência encantadora e avassaladora! Orgulho-me em dizer que foi diferente de tudo que já li. Parabéns ao autor Moisés Calado! Espero ler muito mais trabalhos como este.


Por Ísis Marchetti.


MUAMMAR GADDAFI, O HOMEM QUE QUIS UNIFICAR OS POVOS

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