Santo Anselmo, nascido em
Aosta, na Burgandia, no ano 1033, foi uma criança religiosa e buscou ingresso
na vida monástica aos 15 anos. O abade local, entretanto, o recusou apesar da
insistência de seu pai. Após a morte da sua mãe, Anselmo partiu em viagem.
Finalmente ele chegou à Abadia de Bec e começou a estudar com o renomado Prior
Lanfranc. Ordenou-se em 1060. Três anos mais tarde, quando Lanfranc foi
indicado para ser Abade em Caen, o jovem Anselmo o sucedeu como Prior para o
pesar dos mais velhos e estabelecidos candidatos ao posto. Durante os próximos
trinta anos ele escreveu os seus trabalhos filosóficos e teológicos e foi
indicado a Abade de Bec.
Hoje relembrado como o
pai da tradição Escolástica e Arcebispo de Canterbury de 1093 até a sua morte,
Anselmo é de interesse filosófico principalmente por causa da lógica dos seus
argumentos em dois de seus principais trabalhos, O Monologion (“Solilóquio”)
e o Proslogion (Discurso), os quais suscitaram várias discussões que
pretendiam provar a existência de Deus. Por volta do século XII, os trabalhos de
Platão e Aristóteles tinham sido redescobertos e reinterpretados pelos
escolásticos, que tentaram sintetizar as ideias dos antigos gregos com a
teologia medieval. Seguindo a tradição grega, diz-se que os alunos de Anselmo
tiveram a preocupação de ouvir uma justificativa racional para a existência de
Deus que não se baseasse meramente na aceitação dos ensinamentos das escrituras
ou doutrinários. A resposta mais famosa de Anselmo para este desafio foi
conhecida como “a discussão ontológica para a existência de Deus” a qual alguns
consideram o debate mais acalorado na história da filosofia.
"DEUS
EXISTE PORQUE O
CONCEITO
DE DEUS EXISTE"
Anselmo nos leva a
considerar que, ao dizermos o termo “Deus” significa que não se pode pensar em
nada maior do que isto. Sendo assim, até mesmo o incrédulo ou, como Anselmo
diz, o “tolo”, aceita que isto é o que o conceito de Deus abrange, a existência
de Deus pareceria vir necessariamente da definição. Por causa disto, seria uma
contradição supor que Deus, por um lado, seja algo que não se pode pensar em
nada maior do que Ele e por outro lado não vir a existir. O pensamento de que
Deus não exista é menos importante do que o pensamento de que Ele exista, e
desde que se possa claramente pensar em Deus e supor que Ele exista, então
pensar em algo que não possa ser maior do que isto já admite sua existência.
A discussão ontológica de
Anselmo é engenhosa em sua simplicidade. Em enquanto muitas pessoas concordam
que há alguma coisa duvidosa sobre isto, a opinião tem sido dividida sobre qual
o problema da discussão. O primeiro crítico de Anselmo foi um monge
contemporâneo beneditino chamado Gaulino de Marmoutiers. Gaulino argumentava
que se o raciocínio de Anselmo estivesse correto, então se podia imaginar uma ilha
perdida que fosse a mais perfeita ilha. Desde que por definição a ilha seja a
mais perfeita ela tem que existir, pois pelo raciocínio de Anselmo seria menos
do que perfeita se não existisse. Assim, pleiteou Gaulino, o raciocínio de
Anselmo permite a existência de toda sorte de objetos imaginários sendo assim
imperfeitos. Em resposta, Anselmo alegou que a qualidade da perfeição é um
atributo que se aplica somente a Deus, e consequentemente sua discussão
ontológica, não poderia ser usada para provar a existência de ilhas imaginárias
ou o que quer que fosse.
"A
QUALIDADE DA PERFEIÇÃO É UM
ATRIBUTO QUE SE APLICA SOMENTE A DEUS"
Versões dos argumentos
ontológicos de Anselmo foram mais tarde usadas por São Thomás de Aquino e René
Descartes e foram, mais tarde ainda, duramente criticadas por Immanuel Kant. O princípio
da ressalva de Kant era de que o conceito de Deus como um ser perfeito não necessariamente
implica na existência de Deus, na medida em que a “existência” não é uma
perfeição. O conceito de um ser perfeito existente não é maior ou menor que o
conceito de um ser perfeito não existente. Filósofos concordam que o problema
com a discussão de Anselmo gira em torno do fato de que nós certamente não
podemos averiguar se alguma coisa existe ou não meramente por analisar o
significado de uma palavra ou conceito. Porém, qual erro lógico tem sido
cometido ao tentar proceder dessa forma, tem sido exatamente a causa de tantas
discussões entre filósofos e especialistas em lógica.
O debate foi retomado
novamente em épocas mais recentes, nos anos 60, quando o filósofo Norman Malcom
reviveu uma variante menos conhecida do argumento de Anselmo, a qual deixa de
lado as objeções feitas por Kant e outros. De acordo com Malcom, Anselmo
argumentou no Proslogion que se é possível a existência de tal ser,
então ele tem que existir, pois seria uma contradição dizer que tal ser não
exista. Deus somente poderia deixar de existir se o conceito de Deus fosse em
si contraditório ou sem sentido, e isto, declara Malcom, permanece para ser
mostrado pelos oponentes do argumento ontológico.
Santo Anselmo escreveu
muitos livros religiosos, incluindo “Cur Deus Homo” (“Por que Deus se tornou
Homem?”), mas atualmente ele é mais conhecido pelos seus dois trabalhos
filosóficos: “Monologion” e “Proslogion”, nos quais ele tenta provar a
existência de Deus.
Crédito da imagem: Estante Virtual.
Análise e visão do livro de Philip Stokes: “Filosofia ⸺ Os Grandes pensadores”.
Por Moisés Calado.